domingo, 5 de julho de 2009

PARIDADE FIXA DA MOEDA

Há quem procure salvar a ordem capitalista mundial, que fracassou em relação à 2/3 da humanidade, mudando-a de maquiagem, como ocorreu na década de 1930, quando o liberalismo cedeu lugar ao keynesianismo. As teorias de Keynes apresentaram-se como uma espécie de terceira via entre o livre mercado e a planificação centralizada. De fato, estimularam o planejamento estratégico capaz de salvar os interesses privados do grande capital. Não lhe importava a sorte dos pobres. Interessava era disciplinar o jogo capitalista, para que o acirramento da competição não viesse a destruir o próprio sistema. O keynesianismo vinculava investimentos e créditos à esfera produtiva, binômio que alavancou o crescimento econômico das nações industrializadas e favoreceu as políticas de pleno emprego e de distribuição de renda. Graças aos fatores que regulavam a economia centrada na produtividade, a esfera financeira não se contaminou pela febre lotérica de cassinos e Bolsas de Valores. A ordem monetária assegurava a paridade fixa das moedas e a conversão de uma moeda a outra obedecia a certas restrições. Os créditos internacionais eram gerenciados por relações intergovernamentais e, em geral, vinculados a projetos de desenvolvimento. Desde a década de 1970, Keynes emigrou para o limbo dos verbetes de enciclopédias e dos retratos na parede. O capital privado quebrou as algemas que o prendiam à esfera produtiva. E já que dentro de seus respectivos países o capital privado não tinha como despir-se de sua fantasia de bom-mocismo, ele tratou de cair na gandaia internacional, onde não há restrições legais ou é mais fácil burlá-las pelo controle de organismos como o FMI e a OMC, e pela criação do faroeste financeiro em paraísos fiscais. Saiu Keynes, entrou o neoliberalismo. O crédito privado canalizou-se para o feltro verde do mercado de capitais. No cassino global, a especulação superou a produção. E como o capital especulativo não gera capacidade produtiva, aos poucos diminuiu a possibilidade de remunerar o trabalho e aumentou a de concentrar mais renda em cada vez menos mãos. Com tanto dinheiro pirata a percorrer mares e ares do planeta, os países periféricos estenderam seus pires. Quanto mais dinheiro na mão, mais se alargava o buraco no chão (vide Argentina). Na década de 1980, a crise da dívida e(x)terna desvalorizou moedas e jogou os países periféricos nas águas revoltas da instabilidade monetária. No salve-se quem puder, abandonou-se a paridade fixa, e o livre fluxo de capitais impeliu os ventos especulativos, naufragando ainda mais as economias do Terceiro Mundo. Barquinhos puxados pelo galeão do FMI, os países periféricos, afogados por suas dívidas externas, acataram a sugestão de livrar-se de pesos para evitar o naufrágio. Assim, suspenderam suas barreiras alfandegárias e hipotecaram sua infra-estrutura produtiva. Estrangulados, abriram suas portas aos produtos estrangeiros, fortalecendo as empresas transnacionais e enfraquecendo as próprias. Em 1982, a participação das 200 maiores empresas no PMB (Produto Mundial Bruto) era de 24%; hoje, é de 35%. Mais de 50% do PMB estão em mãos de 35 mil empresas transnacionais, segundo Jorge Beinstein (La crisis de la economia global, Buenos Aires, Corrigidor, 1999). Em resumo, o mercado mundial é controlado por empresas transnacionais em detrimento das economias nacionais. É o controle deste mercado que assegura o lucro exorbitante dessas empresas, e não o aumento da produtividade delas. Poderosas, elas forçam governos a privatizarem os patrimônios público e estatal, e submetem a iniciativa privada nacional a fusões e incorporações, de modo a concentrar o capital em cada vez menos mãos. É o ovo de Colombo, enfim posto de pé: obtém-se vantagens por concentrar em poucas mãos a renda mundial, sem fomentar o crescimento dessa renda. Nesse modelo excludente, cada fusão, aquisição ou privatização significa mais cortes de pessoal. Portanto, mais desemprego, menos renda familiar e mais perda de cidadania. A renda acumulada não prioriza os investimentos produtivos, mas os especulativos. É a economia de cassino. Os investimentos não criam necessariamente riquezas e, muito menos, postos de trabalho. As dívidas pública e privada se agravam. Hipoteca-se, assim, o futuro, que inevitavelmente entrará em colapso. Essa economia de cassino tem vida curta. Na Bolsa, a cotação das ações não corresponde ao valor das empresas. O dinheiro virtual não tem respaldo na riqueza real. As Bolsas sobem, os índices sociais descem. O crescimento econômico decresce e, ainda assim, é meramente virtual, pois não se traduz em benefícios à maioria da população (vide Brasil). Keynes evitou o colapso na década de 1930 porque estreitou os vínculos entre investimento e esfera produtiva, favorecendo o emprego e a redistribuição de renda. Uma alternativa pós-capitalista deverá vincular os investimentos à produtividade e adotar uma redistribuição de renda em escala planetária. Pois quanto maior a concentração da renda mundial, menor a demanda. Comparados à maioria pobre da população, os mais ricos destinam uma proporção menor ao consumo. Os assalariados canalizam todos os seus recursos para o consumo. Só a ambição desmesurada impede os donos do dinheiro de perceberem que, quanto maior a concentração de renda, maior a paralisação da demanda. Por isso, o índice de crescimento real do PMB baixou de 5,2%, no período 1966-1973, para 3,4% entre 1974-1980. E caiu de 3,1%, entre 1981-1990, para 2,8% entre 1991- 1999.

Um comentário:

  1. Vim parar a este post por mero acaso… aproveito para deixar alguns comentários que me parecem relevantes face ao que tem acontecido nos últimos anos:
    As teorias de Keynes apresentam-se como uma terceira via entre o livre mercado e a planificação centralizada, o que significa que tanto podem ser interpretadas como um capitalismo disfarçado de comunismo, como um comunismo disfarçado de capitalismo, com a agravante de que habitualmente juntam o pior dos dois sistemas: o que dá lucro fica na mão de uma elite de privados que gozam de proteccionismo estatal, e o dá prejuízo fica na mão do Estado e fica a cargo do contribuinte assalariado.
    Eu diria que o Estado Keynesiano e a concentração de poder que daí advém resulta numa sociedade que é muito mais desequilibrada do que a que existiria num mercado livre. O objectivo do Keynesianismo é diminuir a competição não porque a mesma seja destrutiva em si mesma, mas porque interessa proteger da competição o grande capital e as grandes empresas que vivem de braço dado / à custa do Estado Keynesiano. O lucro exorbitante de certos negócios e empresas só é possível porque o Estado controla a entrada de novos agentes económicos e vicia logo à partida o jogo da oferta e demanda de bens e serviços. Essa concentração e abuso de poder nunca existiria num mercado livre.
    A actual Economia de Casino baseada na especulação em paraísos fiscais, é tudo menos liberal, no sentido de que essa fonte de ‘riqueza’ está logo à partida vedada ao cidadão comum, que não só não beneficia dessa especulação nem tem hipótese de colocar as suas poupanças em paraísos fiscais, como ainda por cima é invariavelmente chamado a pagar do seu bolso os prejuízos quando as bolhas atingem proporções ‘too big to fail’.
    Numa perspectiva de mercado livre, diria que não tenho nada contra aqueles que decidem frequentar o Casino, desde que o Estado não me obrigue a contribuir para vícios alheios.
    A ínfima percentagem de cidadãos que investe em instrumentos financeiros de maior risco e complexidade financeira (futuros, commodities, acções, obrigações…) conseguiu convencer a opinião pública de que a Economia não sobrevive sem esses instrumentos financeiros, quando é exactamente o contrário. Esses instrumentos financeiros são parasitários na medida que que o Estado sistematicamente penaliza a formiga para beneficiar a cigarra.
    “os países periféricos, afogados por suas dívidas externas, acataram a sugestão de livrar-se de pesos para evitar o naufrágio. Assim, suspenderam suas barreiras alfandegárias e hipotecaram sua infra-estrutura produtiva. Estrangulados, abriram suas portas aos produtos estrangeiros, fortalecendo as empresas transnacionais e enfraquecendo as próprias.” É uma descrição assustadoramente exacta do meu país, Portugal.
    E não interessa se o governo é de Esquerda ou de Direita, na prática o antigo colonizador é agora uma colónia sujeita aos interesses do capital estrangeiro, sem qualquer réstia de soberania. Karma is a bitch…
    “quanto maior a concentração da renda mundial, menor a demanda.” É um facto infelizmente irrelevante para quem tem uma conta bancária com mais de seis zeros num paraíso fiscal. As elites estão dispostas a sacrificar a galinha dos ovos de ouro sempre que necessário.

    ResponderExcluir